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O tédio da vida cotidiana, a inadequação ao mundo ao redor e a íntima desconexão com as pessoas mais próximas. Tudo isso em um território marcado pelo militarismo, pelo conflito armado e pelo imperialismo estadunidense. É sobre esse microcosmo que fala o filme Questões Pessoais (“Personal Affairs” ou “Omor Shakhsiya”), dirigido pela palestina Maha Haj.

Em Nazaré (Israel), o casal de idosos Nabeela e Saleh vivem a monotonia diária de um casamento de longa data e a incapacidade de se comunicarem um com o outro. Essa rotina só é alterada quando recebem um convite do filho mais velho Hisham para visitá-lo na Suécia. Do outro lado da fronteira, em Ramallah (Palestina), seu filho mais novo, o diretor de teatro iniciante Tarek, tenta se desvencilhar de um compromisso mais forte com a namorada perfeita, Maysa, até que o xeque-mate acontece quando os dois vão parar inesperadamente em um posto de controle israelense. Única filha mulher de Nabeela e Saleh, a jovem Samar se prepara para dar à luz ao primeiro neto do casal, enquanto seu marido George recebe uma oportunidade de ver o mar Mediterrâneo pela primeira vez.

Diretora do curta Oranges (2009) e do documentário Within These Walls (2010), Maha Haj estreia brilhantemente na direção de um longa-metragem com Questões Pessoais. Maha também atuou como roteirista e diretora de arte. Daí talvez o cuidado estético com o filme: quase totalmente composto por cenas internas, cada cômodo é carregado de personalidade, sem com isso perder o tom de “vida real”.

Solidão. Monotonia. Vidas vazias. Questões Pessoais aborda de forma intensa e despretensiosa temas universais, mirando na aparente superficialidade da vida cotidiana para acertar em cheio nos pensamentos mais íntimos de seus espectadores, sejam eles palestinos, israelenses ou brasileiros.

As luzes se acenderam e não havia um só par de olhos corajoso o suficiente pra não deixar derramar derradeiras lágrimas no canto. Uma brisa doce e selvagem havia estapeado o rosto de cada um/a de nós que decidiu sair do conforto de casa numa quarta-feira à noite pra ocupar as poltronas do CineSabesp na última sessão da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Na telona: CÁSSIA, documentário de Paulo Henrique Fontenelle que tem estreia nacional marcada pra janeiro de 2015.

Entrecortado por fotos, trechos de shows, entrevistas e videoclipes de Cássia Eller, o tom do documentário, entretanto, é dado pelos preciosos e dilaceradamente sinceros depoimentos de ícones das música brasileira e amigos íntimos da cantora, como Zélia Duncan e Nando Reis, e de familiares, como a ex-companheira Maria Eugênia e o filho Chicão, além de seus ex-parceiros de banda.

cassia-filmeEm um competente trabalho de pesquisa e edição, os trechos de entrevistas de Cássia complementam os depoimentos, quase que trazendo-a de volta para confirmar ou subverter os causos contados pelos/as amigos/as. A sensação que fica é que até em sua biografia ela tinha que meter o dedo.

Caso a alguém falhe ou mal-diga a memória, o filme vem deixar claro que Cássia era uma artista autêntica. Se as canções que gravou não eram de sua autoria, sua voz e interpretação, por sua vez, compunham o tom autoral que demarcava um estilo próprio. Prova disso está no trecho em que Ângela Rô Rô narra como “perdeu” a música “Malandragem”, que Cazuza e Frejat haviam oferecido pra ela – um dos pontos altos do filme. E se sua música se tornou mais suave com o amadurecimento de seu trabalho, essa guinada era reflexo também de seus sentimentos naquele momento. Figurino, linguajar e presença de palco, entretanto, eram os mesmos moleques de sempre:  Cássia não moldou seu estilo ao sabor das tendências do momento.

Em tempos culturais tão mercantilizados, em que a música muitas vezes é pautada pela mais nova moda memetizável/monetizável, seria difícil pensar que alguém – especialmente uma mulher – pudesse subir ao palco de bermudão e camisa de futebol sem que houvesse uma mega estratégia de marketing hipster por trás. Levantar a blusa (sem sutiã!) no meio do show? Falar abertamente sobre drogas e homossexualidade? Eram outros tempos, realmente… E a honestidade e a naturalidade com que o longa passeia por esses e outros tópicos polêmicos, como relações não-monogâmicas, nos fazem sentir um certo nojinho desse puritanismo obscurantista contemporâneo… (mais…)

[Texto escrito a convite da WIFT (Women In Film & Television) Brasil, em ocasião da mostra “Silêncios Históricos e Culturais”*, que marcou os 50 anos do golpe militar no Brasil.]

Cena do documentário “O Eco das Canções”, de Antonia Rossi.

Cena do filme “O Eco das Canções”, de Antonia Rossi.

Quanto de nós é resultado das paisagens que vimos, das músicas que ouvimos, dos comerciais que passavam na tevê enquanto crescíamos? Em que parte os rumos que nossa vida tomou foram influenciados pelo contexto histórico que vivemos? Em “El Eco de Las Canciones” (2010), Antonia Rossi abre seu álbum de família tentando encontrar sua identidade no turbilhão de imagens, sons e sentimentos que vão surgindo em seus sonhos e em sua memória. (mais…)