A marcha das vagabundas e o machismo dos machos brancos vestidos de preto

Publicado: maio 10, 2011 em feminismo, mercantilização

SlutWalk Toronto, 2011.

A marcha começou no Canadá. Não, não estou falando da Marcha Mundial das Mulheres – apesar da conterraneidade -, trata-se da “marcha das vagabundas” (do inglês SlutWalks). O movimento surgiu quando um policial de Toronto afirmou, em uma palestra dentro de uma universidade de Direito, que as estudantes deveriam evitar se vestir como “vagabundas” para não serem vítimas de assédio sexual. As estudantes então resolveram protestar contra essa declaração, cujo pano de fundo é a cultura que responsabiliza a vítima pela agressão, afinal, estava de saia, né?

Daí surgiu a primeira SlutWalk, reunindo cerca de 3 mil pessoas, em Toronto. Mas os protestos não pararam por aí. Mobilizadas através do Facebook e do Twitter, jovens de outras cidades do Canadá, dos Estados Unidos, da Austrália, Nova Zelândia, Grã-Bretanha, Holanda, Suécia e Argentina têm saído às ruas, com faixas e roupas provocativas, buscando se apropriar da expressão pejorativa slut (vagabunda) para dizer que:

We are tired of being oppressed by slut-shaming; of being judged by our sexuality and feeling unsafe as a result. Being in charge of our sexual lives should not mean that we are opening ourselves to an expectation of violence, regardless if we participate in sex for pleasure or work. No one should equate enjoying sex with attracting sexual assault. (http://www.slutwalktoronto.com/)

Outras marchas já estão programadas para acontecer na Inglaterra, Escócia e País de Gales. E elas continuam convocando as pessoas à participação:

WE ARE COMING TOGETHER. Not only as women, but as people from all gender expressions and orientations, all walks of life, levels of employment and education, all races, ages, abilities, and backgrounds, from all points of this city and elsewhere. (…) Come walk or roll or strut or holler or stomp with us. This has become a global movement, with Satellites happening all over the world. (http://www.slutwalktoronto.com/)

E sabe por que o que elas estão falando diz respeito a todas nós? Porque, como estava conversando com a querida Elaine Campos:

"Estupro é questão de PODER, não de SEXO".

femmeliberte: todas somos putas! pq é assim q a sociedade nos trata
brunaprovazi: ser puta nao quer dizer só prostituição, quer dizer controlar a roupa q usamos e o direito de sermos estupráveis por isso. contra isso q elas estao protestando tb. putz, isso dá um post!
femmeliberte: sim, eu entendi isso tbm. sempre que uma mulher sofre violencia e é acusada de ter provocado, seja pela roupa que usa, pela hora que anda na rua, precisamos nos manifestar. neste caso do canadá, foi o modo como o policial declarou que propiciou a manifestação
brunaprovazi: exato, foi super contextualizado. adorei!
femmeliberte: a gente sempre falou dessas coisas no movimento feminista, lembra das discussões? toda mulher tem um relato ou conhece alguma amiga, prima, tia que tenha sofrido agressão (verbal, fisica, etc) por conta da roupa que usou. ou pela hora que saiu na rua, pq geralmente era tarde, por isso ela foi violentada, pq mulher não pode sair na rua tarde… mulher causa atentado violento. nas delegacias daqui nunca foi diferente.


Após a repercussão de seus comentários na internet, o tal policial lá de Toronto (Michael Sanguinetti) pediu desculpas publicamente e foi advertido pela polícia. Já no Brasil, o tal do Rafael Bastos tem licença poética para incitar o estupro e que acontece? Ganha mais espaço na mídia pra fazer isso, como na revista Rolling Stone, que já havia cometido a grande mancada de veicular a publicidade racista e sexista da Devassa, sobre a qual falei aqui, e agora dá voz ao machismo novamente, abrindo suas páginas pro cara falar besteira também no ouvido da galera que lê a revista.

Não que esperássemos nada dos machos brancos vestidos de preto. Inclusive já havia escrito aqui sobre o séquito CQCista que, na cruzada (em busca de risos, ibope e dinheiro, muito dinheiro) contra o politicamente correto, aponta sua cuspidora fascista pro lado contrário do humor inteligente, atirando na cara das mulheres vítimas de estupro, dos homossexuais vítimas de lampadadas na cabeça e n@s negr@s vítimas do racismo sonso.

Acordemos, galera. Como disse a Alê Terribili:

Há meios inteligentes, ou pelo menos, não tão vulgares, de pôr o “politicamente correto” em questão. Sugerir o estupro de mulheres e promover sua banalização não choca o moralismo, choca quem, há décadas, concentra esforços para denunciar e combater essa violência injustificável – que não é ficção, é de verdade, mais comum e mais impune do que se imagina.

Tratar estupro como piada passa por cima de tantas mulheres que o machismo já vitimizou por meio dessa arma cruel, legitima essa violência, conferindo-lhe o status de coisa qualquer, coisa da vida, coisa que acontece e pode ser tolerada. Esse é o texto implícito. Não precisa se dedicar muito pra entender.

Acontece que estupro não é piada, não é engraçado, não é tolerável e não há atenuantes. Banalizar esse assunto é tornar-se cúmplice dele. Não há meio termo. Aceitar rir de si mesmo é uma coisa. Rir de uma mulher estuprada é outra completamente diferente.
(http://terribili.blogspot.com/2011/05/qual-graca.html)

Vale lembrar ainda que tem muita gente indignada com a apologia ao estupro feita pelo Rafael Bastos e que está se perguntando o que fazer.

A forma de manifestação conhecida como escracho ainda é muito nova e pouco difundida pelo Brasil, mas ganhou visibilidade no último mês de março, durante os atos do Movimento pelo Passe Livre (MPL), em São Paulo (SP). No dia 30 desse mês, um grupo de feministas fez um escracho contra um dos integrantes e porta-vozes(!) do MPL, Xavier (Rafael Pacchiega), denunciando-o publicamente por ter agredido sua ex-companheira. Após o término da relação, Xavier invadiu a casa dela, fez ameaças de morte e chegou a perseguí-la e insultá-la nos espaços de convívio. Exemplo típico da violência machista que vitima mulheres, diariamente, em nosso país por ex-maridos/namorados/companheiros.

Está registrado nesse vídeo:

(http://feministascontraoaumento.noblogs.org/)

Pois é. É tempo de fazer barulho, sair às ruas, ocupar a internet, #xingarmuitonotwitter. Mandar e-mail pro Ministério Público de São Paulo (dh@mp.sp.gov.br) e pra ouvidoria da Secretaria de Políticas Para Mulheres (ouvidoria@spmulheres.gov.br) com o link da matéria da Rolling Stone, pedindo providências sobre o caso. E reclamar aos patrocinadores do cara (Nokia, Embratel, Pepsi), porque mexer no bolso desse tipo de gente sempre funciona.

Brasil: mais ruído, menos apatia. Por favor.

comentários
  1. Camila disse:

    Nesse sociedade presume-se que uma mulher a circular pelo espaço público está disponível, na nossa sociedade presume-se que uma mulher sozinha é abordável por qualquer um de qualquer forma, na nossa sociedade presume-se que dizer obcenidades na rua é fazer elogios, na nossa sociedade presume-se que as mulheres que apanham gostam, que as mulheres bunitas são burras, e as feias inteligentes são chatas e por ai vai….
    É fazendo piada com o presumível que esses babacas CQCISTAS vão enchendo as bufas de dinheiro…

  2. brunaprovazi disse:

    Nota de repúdio da SPM às piadas de mau gosto do “humorista” Rafinha Bastos

    A Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) vem a público manifestar sua indignação pela maneira como o “humorista” Rafinha Bastos, da TV Bandeirantes, faz piadas com os temas estupro, aborto, doenças e deficiência física. Segundo a edição desse mês da Revista Rolling Stone, durante seus shows de stand up, em São Paulo, ele insulta as mulheres ao contar anedotas sobre violência contra as mulheres.“Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra caralho. Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade. Homem que fez isso [estupro] não merece cadeia, merece um abraço”. Isso não é humor, é agressão gratuita, sem graça, dita como piada. É lamentável que uma pessoa – considerada pelo jornal The New York Times como a mais influente do mundo no twitter -, expresse posições tão irresponsáveis e preconceituosas. Estupro é crime hediondo e não requer, em nenhuma hipótese, abordagem jocosa e banalizada.

    Vale lembrar que qualquer mulher forçada a atos sexuais, por meio de violência física ou ameaça, tem seus direitos violados. Não há diferenciação entre as vítimas e, tampouco, a gravidade e os danos deste crime diminuem de acordo com quaisquer circunstâncias da agressão. Assim, a SPM condena a banalização de tais preconceitos e, como organismo que visa, sobretudo, enfrentar a desigualdade para promover a igualdade entre os gêneros, a Secretaria repudia esse tipo de “humor” e qualquer forma de violação dos direitos das mulheres. Humor inteligente e transgressor não se faz com insultos e nem preconceitos. A sociedade não quer voltar à era da intolerância e, sim, dar um passo adiante.

    Secretaria de Políticas para as Mulheres

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